Aconteceu comigo, com o vizinho do lado, com os de cima e também com os moradores do prédio da frente. Quem nunca sofreu com o cachorro que chora o dia todo levanta a mão. Na verdade, quem estava na esquina daquela cidade litorânea sofreu de alguma forma com o episódio. Talvez só quem tinha dificuldades de audição, além do vizinho do andar abaixo ao meu, não sentiu os efeitos daquela barulheira, Isso porque ela só começava justamente quando ele saía de seu apartamento. Essa atitude fazia com que seu cachorro, então sozinho e inseguro, gritasse a plenos pulmões.
Com as mãos na cintura e gritando para ser ouvida por meus filhos, mais de uma vez me flagrei pensando o que passava na cabeça desse cidadão. Seu descaso não apenas incomodava os vizinhos – pessoas que gastaram dinheiro justamente para descansar – mas também a vida do pobre animal. A criatura, aflita e solitária, soltava a voz quando o assunto era ficar sozinho. Por ser a moradora imediatamente acima do referido apartamento, a impressão que eu tinha é que o animal gritava da minha própria sacada. Seus gritos e uivos estavam a dois metros de distância de mim. Além disso, bastava uma pessoa passar na frente do prédio para que ele reiniciasse a gritaria. “São eles! São eles! São eles!”. Mas não eram, e mais uma vez iniciava a choradeira.
O passo seguinte foi o zelador, pessoa neutra a quem pedi sigilo, além de, se possível, agir com delicadeza e discrição. Assim eu seria informada por quanto tempo duraria o martírio daquele animal, sofrimento que de quebra acabava com o veraneio de todo mundo. A resposta veio rápida. O “o vizinho reclamão que seja macho e venha aqui falar comigo”.
Pois é, antes de recorrer à justiça a gente até que tenta por outras vias. Mas, no fundo, eu não esperava uma resposta isenta de soberba e arrogância. Porque não se pode esperar outra coisa de uma pessoa que, para ser feliz, passa por cima do direito dos outros. Estou desabafando também em nome do pobre mascote.
A razão, prezado vizinho, de eu não ter aparecido foi, em primeiro lugar, por que sou fêmea; em segundo, porque queria poupar a sua – não a minha – vergonha em saber que eu, justamente eu, que tenho tolerância e que gosto de cachorro até debaixo d’água, era quem estava pedindo por um bote salva-vidas. Imagino que seria constrangedor saber que até quem gosta de animais não compactua com uma atitude tão negligente. Um inocente e carente animal não está sendo ouvido por seu tutor. Este, contudo, fica mergulhado manhã e tarde nas delícias que a beira da praia oferece, enquanto o mundo ao seu redor, o que inclui seu cachorro de estimação, que se dane.
Fotos: pixabay
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